domingo, 22 de maio de 2016

Finlandia ... e agora ?

"Há quatro anos destacavam-se entre os que exigiam castigos mais duros para Portugal. Agora estão em crise profunda e não querem a mesma austeridade que nos foi imposta. Quando olham para o sucesso sueco, norueguês e dinamarquês, os finlandeses retiram uma conclusão óbvia: para evitar um massacre social e económico como o nosso, têm de sair do Euro.
Não deixa de ser irónico: o país que disse que Portugal endividado tinha de ser expulso da Zona Euro atravessa agora uma crise de tal amplitude que talvez tenha, ele próprio, de deixar de usar a moeda única. Recentemente, Paavo Väyrynen, eurodeputado pelo Partido do Centro da Finlândia (actualmente no poder), afirmou mesmo que o seu país “não tem tempo para desperdiçar na saída do Euro”. O político reuniu os 50 mil apoios escritos necessários para a convocação de um referendo sobre o tema, mas adianta que vai tentar que a decisão seja directamente tomada pelo parlamento, tal a pressa: “um referendo demoraria anos” a concretizar, referiu.O Governo, de centro-direita, está dividido sobre que caminho escolher. Após quatro anos de recessão, a economia deste país nórdico encontra-se completamente estagnada. A Comissão Europeia admitiu, na semana passada, que a Finlândia é hoje o Estado-membro com menor crescimento: meio por cento.
Enquanto o país agredia verbalmente Portugal, não deu atenção suficiente aos seus próprios problemas. Os custos de mão-de-obra do país são 10 a 15 por cento mais elevadas do que os dos seus parceiros comerciais, disparidade que já não pode ser consertada com uma desvalorização monetária, apenas com austeridade. Curiosamente, quando o mesmo aconteceu em Portugal, os finlandeses foram dos primeiros a defender que os portugueses tinham de se tornar mais competitivos, e que não tínhamos sequer dignidade suficiente para o actual ordenado mínimo.
A palavra “flexibilização laboral” também entrou no léxico da antiga colónia russa, saída da boca de Olli Rehn, o antigo comissário da UE odiado pelos europeus do sul. Dois feriados vão ser cortados, e as empresas vão deixar de ser obrigadas a negociar em concertação social, passando a poder pagar o mínimo possível. Previsivelmente, os finlandeses saíram à rua para paralisar o país com greves. Depois de quererem condenar Portugal a vários anos de dor, os finlandeses não querem o mesmo remédio. Mas há quem acha que nenhum dos países tinha de passar pelo desastre que agora enfrenta. 

Soberania monetária

Sem o peso do dogmatismo pro-europeísta, dois académicos finlandeses elaboraram um estudo que permitiu projectar o que teria acontecido se o país nunca tivesse abandonado a sua antiga moeda, o “Markka”. Segundo a simulação, com o impacto da crise, o Markka teria desvalorizado 20 por cento em relação ao Euro, mas a recuperação económica do país teria sido muito mais veloz, pois as exportações teriam aumentado 15 por cento.
Um dos académicos, Tuomas Malinen, é decisivo nas suas conclusões: a culpa da estagnação do país é do Euro. Admitindo que o colapso da Nokia e o mercado de trabalho rígido são problemas estruturais graves, as conclusões do académico são que “apenas se tornaram um problema inultrapassável porque a Finlândia usa o Euro”. No entanto, fica a nota: abandonar a moeda única tem custos, que os académicos estimam em 20 mil milhões de euros.
Para os detractores do Euro, o custo valeria a pena, e seria recuperado após alguns anos. Caso exemplar é a Suécia, um pequeno oásis de prosperidade no meio de um deserto económico: durante o período da crise na Europa, o país cresceu oito por cento. Em comparação, a Zona Euro ainda não regressou aos níveis económicos pré-recessão.
Outro exemplo é o Reino Unido, que é hoje a economia mais pujante da Europa, tudo porque gere a Libra Esterlina conforme as suas necessidades. Do outro lado do canal, a França enfrenta mais um ano de elevado desemprego e crescimento quase nulo. Não admira, pois, que David Cameron já tenha explicado taxativamente a Bruxelas que nunca, por nunca ser, a União Europeia poderá exigir que o seu país adopte o Euro. 

A dura realidade da moeda única

Todas as principais agências de ‘rating’ colocaram as perspectivas da Finlândia em “negativo”, e o Governo vai ter de aumentar a dívida em 13 mil milhões de euros em 2016, na melhor das hipóteses. A despesa pública do país representa agora 58 por cento do PIB nacional, o valor mais elevado da Europa e um dos mais elevados do mundo.
A União Europeia governou a sua moeda apenas em benefício de um único país durante demasiado tempo, e não faz os necessários incentivos monetários a tempo. Apesar de Mário Draghi ter o Banco Central Europeu a oferecer amplos estímulos financeiros, incluindo uma taxa de juro (e, por arrasto, de crédito) perto de zero por cento, a economia Europeia continua estagnada e a deflação começou a instalar-se.
Na Finlândia, os políticos pró-europeus falam, de forma desesperada, em “inovação” para consertar os problemas da Nação. De facto, o país é casa de alguns dos melhores técnicos, cientistas e profissionais do mundo, mas criar nova riqueza é difícil. No seu auge, a Nokia dava emprego a quase 200 mil pessoas. Hoje, o sector dos videojogos, que o Governo local aplaude como um exemplo, apenas emprega 2.600 trabalhadores. Apesar de haver ideias, e até financiamento, exportar com o peso do Euro é muito difícil. O desinvestimento no sector da educação e a “fuga de cérebros” para países mais prósperos e dinâmicos, como o Reino Unido e os Estados Unidos, coloca ainda o futuro do pequeno país mais em causa, tal como acontece actualmente em Portugal. Vale a pena continuar no Euro? É possível que os finlandeses em breve votem sobre o assunto."

(um artigo enviado gentilmente por Fernanda Durão)

sábado, 21 de maio de 2016

A terra dos "ratos"






"A Assembleia dos Ratos
Era uma vez uma colónia de ratos, que viviam com medo de um gato, resolveram fazer uma assembleia para encontrar um jeito de acabar com aquele transtorno. Muitos planos foram discutidos e abandonados. No fim um jovem e esperto rato levantou-se e deu uma excelente ideia; a de pendurar uma sineta no pescoço do gato. assim, sempre que o gato tivesse por perto eles ouviriam a sineta e poderiam fugir correndo. Todos os ratos bateram palmas: o problema estava resolvido. Vendo aquilo, um velho rato que tinha ficado o tempo todo calado levantou-se de seu canto. O velho rato falou que o plano era muito inteligente e ousado, que com toda a certeza as preocupações deles tinham chegado ao fim. Só faltava uma coisa: quem ia pendurar a sineta no pescoço do gato?

Moral da história:
Falar é fácil, fazer é que é difícil."

A conquista da liberdade é algo que faz tanta poeira, que por medo da confusão, preferimos, normalmente, optar pela arrumação.
Por cá andamos todos preocupados com o rumo das nossas vidas, preocupados com os afazeres que nos ocupam uma grande parte do dia, e aprendemos bem a lição, fiquemos confortavelmente apenas a olhar para o nosso próprio umbigo, esqueçamos os reboliços que lá fora na rua acontecem, esqueçamos os desesperos, as misérias, esqueçamos tudo desde que nada nos falte.
Alguns calam-se e encolhem o ombros numa perfeita submissão, outros utilizam as palavras em surdina de forma a calar um pouco os medos que os afligem, temos os de "voz grossa" com criticas e ideias espinoteadas mas mantendo tudo em seu redor arrumadinho, existem muitos que sabendo que tudo vai mal, desviam as suas ganas para outras coisas, depois, muito depois vêm aqueles que sabem, que ouvem, que sentem e se predispõem a enfrentar o medo que nos impõem e avançam de forma a "pendurar o raio da sineta no pescoço do gato".
É assim mesmo, nesta Europa, nós, portugueses, somos uma sociedade de "ratos" sabemos que o "gato" está do lado de fora, que é preciso neutraliza-lo, que tudo vai mal, sabemos que tudo terá de mudar, sentimos que estamos a ser vitimas de uma guerra em que a arma principal é o Euro e, apesar de tudo, perdemo-nos em questiúnculas estapafúrdicas, em orgulhosinhos de meia tigela e dramas futebolísticos mas tirar a porra do traseiro do sofá ... isso é que não !
O que é preciso mais fazer para que deixem apenas de falar e comecem a fazer algo que vos valorize?

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Por quanto tempo mais?

Paul De Grauwe, economista belga que sonhou com uma UE federal, hoje sem ilusões quanto à viabilidade do Euro, denuncia o cinismo criminoso do BCE (aqui).
A Grécia, o país que mais precisa de ajuda, é precisamente aquele que, por razões político-ideológicas, a UE está a esmagar. Por quanto tempo mais?


"Quando o BCE compra títulos da dívida pública de um país da Zona Euro [Quantitative Easing], é como se estes títulos tivessem deixado de existir. Embora os títulos permaneçam no balanço do BCE (na realidade, a maior parte está registada nos balanços dos bancos centrais nacionais), eles deixam de ter qualquer significado económico.

O Tesouro de cada Estado pagará um juro sobre estes títulos mas, no fim do ano, os bancos centrais devolvem estes montantes ao respectivo Tesouro. Isto significa que, enquanto os títulos de dívida pública permanecerem no balanço dos bancos centrais nacionais, os governos deixam de pagar juros sobre a parte da dívida pública que está registada nos seus balanços. Estes governos gozam de um perdão de dívida. (...)

A Grécia está excluída do programa de QE e, portanto, do perdão de dívida que decorre deste programa. O BCE dá uma razão técnica para essa exclusão: as obrigações do governo grego não cumprem os critérios de qualidade exigidos pelo BCE no âmbito do programa. (...)

A exclusão da Grécia não resulta de um qualquer problema técnico insuperável. Os problemas técnicos podem ser facilmente ultrapassados quando há vontade política para isso. A exclusão da Grécia é o resultado de uma decisão política que visa punir um país que se portou mal."

quinta-feira, 12 de maio de 2016

O ROMANCE DO CENTRO E DA PERIFERIA

De Alberto Bagnai em http://goofynomics.blogspot.pt/2012/11/il-romanzo-di-centro-e-di-periferia.html 
tradução de Pier Paolo Rotodo e revisão a cargo de Soledade Diamantino Santos

Uma pequena narrativa que exemplifica as dinâmicas da crise financeira dos países periféricos europeus,  com base nos estudos dos economistas Hyman Minsky e Roberto Frenkel.
Os protagonistas são dois: o masculino é um país desenvolvido, a quem chamaremos "Centro", com uma forte base financeira e industrial; o feminino é um país, ou um grupo de países, relativamente atrasados, a que chamaremos Periferia".
Entre o Centro e a Periferia, a atracção é repentina e fatal (especialmente para a Periferia), mas, como em todos os romances, as diferenças de origem são um problema. Se assim não fosse, que interesse teria a história, cujo apelo reside, justamente, nas grandes diferenças entre os protagonistas?
O Centro é um rapaz moderno, ousado, enquanto a Periferia é uma rapariga à moda antiga, poupada, sábia e um pouco "reprimida”. Que é que estão a pensar? Não, não é sexualmente reprimida! Isso ao Centro não interessa. O Centro é virtuoso. Apedreja as adúlteras (depois de ter ido com elas para a cama). Não, a Periferia é, como dizem os economistas, um pouco reprimida financeiramente, o que significa, em poucas palavras, que na Periferia o Estado mantém um certo controlo sobre os circuitos de poupança e investimento.
Por exemplo – vejam que ideia tão esquisita – na Periferia, a política monetária é considerada uma ferramenta à disposição do governo, para ser mantida, ainda que de forma mediada, sob controlo da soberania democrática do povo. Ouviram bem: é exactamente aquilo a que os intelectuais da nossa esquerda chamariam "populismo", que é o termo com que definem qualquer circunstância em que as pessoas não fazem o que eles querem que elas façam. Sim, porque… o que é que o povo sabe de moeda?!
A Periferia é portanto reprimida e populista, e daqui derivam uma série de práticas arcaicas: o banco central não é "independente" (independente dos trabalhadores, é óbvio, não dos capitalistas), e uma série de instituições financeiras (bancos, fundos de reforma) estão sob controlo directo ou indirecto do Estado; por isso, o preço do dinheiro, não é deixado aos caprichos do mercado, sendo gerido pelo Estado. E, para alcançar esta meta, os movimentos internacionais de capitais são controlados, de outra forma fugiriam em busca de melhores remunerações noutros lugares. Não só os fluxos de saída, também os fluxos de entrada são controlados pela Periferia reprimida: a ideia moderna de que as empresas nacionais (públicas ou privadas) estão aí para serem postas à venda pela melhor oferta, essa ideia tão avançada, ainda não chegou à Periferia. E isto vale especialmente no sector financeiro, onde aos bancos estrangeiros é aplicado o mesmo princípio que os países desenvolvidos aplicam aos trabalhadores estrangeiros: "Eu não sou racista, desde que cada um fique na sua casa" – um princípio que dá arrepios quando é aplicado às pessoas; e quando não é aplicado aos bancos. No entanto, vejam só, a Periferia é tão reprimida que até as instituições financeiras nacionais são controlados pelo Estado, que impõe restrições às suas actividades, o que significa que estas instituições são obrigadas a comprar uma certa quantidade de dívida pública. E também impõe limites máximos de crédito, o que significa que os bancos não podem emprestar muito, ou seja, os privados não podem endividar-se demasiado. Até porque o próprio Estado não se endivida muito, e mesmo a sua dívida, em relação ao PIB, diminui, porque as taxas de juros são mantidas sob controlo, e assim não é preciso elevar a carga tributária e reduzir a despesa nos serviços essenciais, para correr atrás da explosão dos juros, usando para isso o dinheiro dos contribuintes (que assim é distribuído aos detentores dos títulos da dívida… (que muitas vezes não contribuem.)
Pois: esta é a repressão financeira. E não é explicada por Sigmund Freud, mas pela Carmen Reinhart  (entre outros).
Alguém mais cortês chamaria a isto "regulação" dos mercados financeiros. Parece-vos um mundo estranho, arcaico? É porque têm a memória curta, pois até aos anos 80, este era o nosso mundo, o mundo ocidental. E é agora claro que precisa de voltar a sê-lo.
No entanto, esse mundo já não é nosso, não é assim que agora funcionam as coisas: o Centro, que é um rapaz evoluído, não pode simplesmente apresentar a seus pais, os mercados, uma rapariga tão fora da moda! E então "sugere" à Periferia que faça algumas reformas, duas, na verdade, e por acaso sempre as mesmas: a adopção de uma taxa de câmbio fixa e a liberalização dos mercados financeiros; e, a jusante, dos movimentos de capitais internacionais.
O Centro, que é esperto, obtém assim duas vantagens.
Vantagem número um: na Periferia, a liberalização dos mercados financeiros eleva forçosamente as taxas de juro. O Estado já não pode contar com alguns dos compradores institucionais dos seus títulos (o banco central, que se torna "independente", e os bancos e fundos de reforma, que gradualmente caem nas mãos do sector privado), e por isso, para se financiar, tem de oferecer taxas de juro mais elevadas.
Mas também as taxas do sector privado são liberalizadas e, portanto, tendem a crescer. Na Periferia é realmente preciso capital, porque, como já foi dito, a sua base industrial é atrasada, o que obriga necessariamente a que as taxas de juros tendam a ser elevadas. Antes, quando a Periferia estava reprimida, o Estado controlava o preço do dinheiro, mantendo-o dentro de limites determinados por ele. É claro que desta forma o dinheiro custava relativamente pouco, mas se a economia sobreaquecia, porque as empresas se endividavam demasiado, o Estado podia intervir, talvez com ferramentas de tipo quantitativo, como impor um limite máximo aos empréstimos: se, por um determinado preço do dinheiro, o sector privado estava a endividar-se muito, financiando em dívida a sua procura de bens, o Estado simplesmente proibia os bancos de emprestar além de um certo limite. 
Mas os controlos quantitativos foram abolidos: porque são uma coisa feia, sabem a economia planificada, e nós não somos bolcheviques! O mercado sabe o que fazer, deixemos que a oferta e a procura sejam determinadas pelos preços, liberalizem as taxas! Então, para evitar que o crédito concedido seja excessivo, será preciso permitir que a taxa de juros suba. É claro: desta forma os empresários locais pensam duas vezes antes de se endividar (a lei da oferta e da procura: custa mais, compro menos).
Mas esqueceram-se de um detalhe. Pois! Liberalizámos também os movimentos internacionais de capital. E então o que acontece? O que acontece é que os credores do Centro, os grandes bancos do sistema maduro, atraídos por taxas mais elevadas, exportam capitais para a Periferia. Eles têm capitais, e muitos! O Centro tem uma indústria que ganha bem, e os industriais não estão habituados a manter o dinheiro debaixo do colchão, sabem? Assim, os bancos centrais, que têm dinheiro, deslocam-no para a Periferia, onde o Estado e os particulares pagam taxas de juros mais altas do que no Centro, maduro, cheio de capitais.
Como é que fazem? De mil maneiras: abrem filiais dos seus bancos na Periferia (agora podem fazê-lo); abrem financeiras que gerem poupanças ou oferecem crédito ao consumo (agora podem); às vezes integram estas financeiras nas cadeias de distribuição (supermercados, concessionarias) que, entretanto, adquiriram (agora podem); e podem sempre intervir no mercado de acções e comprar pacotes de controlo de empresas nacionais (agora podem); e se alguma empresa nacional, que faz bons negócios, era, infelizmente, pública, não há problema: compram dois ou três jornais (agora podem) e uns quantos ministros (isto sempre foi possível), e começam a espalhar, 24 horas por dia, a ideia de que o Estado é ineficiente e fonte de todo o mal, e por isso é preciso privatizar empresas públicas, começando por aquelas que funcionam, e está feito.
Economistas ilustres das colunas de jornais prestigiosos acenarão satisfeitos.
Mas porque começámos pela fixação da taxa de câmbio? É simples! Porque os capitalistas do Centro querem (legitimamente) ganhar o spread, a diferença entre as taxas de juro, sem correr o risco da taxa de câmbio ou seja, sem correr o risco de que a Periferia se desvalorize, como seria natural, no fundo, para um país que se torna um importador de capital e, portanto, de mercadorias. Afinal, não há nada de errado: jogos inocentes, desde que se pare no momento certo.
Mas pensem um pouco: se as taxas de juro fossem as mesmas no Centro e na Periferia, o que aconteceria se se fixasse a taxa de câmbio? É simples: o spread aumentaria. "O que?" dirão. "Ao adoptar uma taxa de câmbio realística não vão os spreads cair, como aconteceu na Europa, onde os gregos e os espanhóis foram capazes de beneficiar de taxas alemãs?" Esperem lá: falta alguma coisa na vossa argumentação.
Se fizermos um investimento noutra moeda, no rendimento geral também devem ser consideradas a reavaliação ou desvalorização esperadas para essa moeda. Exemplo: antes do euro, o alemão que emprestava ao espanhol tinha que olhar não só para as taxas de juros (mais elevadas em Espanha), mas também para a flutuação do câmbio. É inútil ganhar um ponto de juros emprestando ao Carlos em vez de ao Hans, se o Carlos desvaloriza, digamos, 4%, certo? “Mas quando falamos de spread só estamos a comparar duas taxas de juros, e não a falar sobre o câmbio” – dirão vocês. Pois: hoje o câmbio já não existe: é 1 euro (espanhol) para 1 euro (alemão). Por isso não falamos do câmbio, mas quando existia falava-se dele.
Querem um exemplo? Em 1998, um ano antes da entrada para a zona euro, a taxa de juros de longo prazo era de 4,8 na Espanha e 4,6 na Alemanha (IFS dados de 2010), e, assim, o spread era de 0,2, ou seja, 20 pontos base. Mas como a peseta em 1998 desvalorizou cerca de 0,2% em relação ao marco, o spread real foi negativo: -1,0 = 0,2-1,2, ou seja, para o investidor alemão não convinha emprestar ao Carlos. Era melhor emprestar ao Hans. Em 1999, ambas as taxas desceram: na Alemanha, 4,7, na Espanha, 4,5. O spread era então de 0,2, como no ano anterior. E a desvalorização? Acordem! Em 1999, havia o euro, por isso não havia necessidade de correcções causadas pela desvalorização. Significa isto que o spread da Espanha passou de -1,0 a 0,2, ou seja aumentou 120 pontos. Com o euro, já é melhor emprestar ao Carlos, não? Parece pouco, eu sei, para mim ou para vocês, que movimentamos uma conta bancária com três zeros (se tudo correr bem): mas se movimentássemos milhões de euros, esta diferença de rendimentos tornar-se-ia significativa, e vocês investiriam os vossos tostões onde valesse a pena. Por exemplo, na Espanha.
A chegada da liquidez à Periferia abre novas oportunidades de investimento e consumo, já que o fluxo de dinheiro do exterior, lentamente, após a fase inicial, faz diminuir as taxas de juros e os spreads (a lei da oferta e da procura), e a liberalização dos mercados financeiros cria novas possibilidades de despesa. Num mundo reprimido não se compra um televisor a prestações. No mercado livre, sim. Os economistas chamam "mercados financeiros perfeitos" àqueles onde é possível ter tudo – e já, porque encontramos sempre quem nos financie, obviamente pagando um preço. A Periferia está entusiasmada: parece que chega ao céu com as mãos; excitada pelo capital do Centro, atinge alturas de prazer consumista para ela insuspeitas até há pouco tempo. Orgasmos múltiplos, lubrificados pela taxa: carro novo, frigorífico novo, tv nova… Sem falar na possibilidade de empréstimos para primeiras e até segundas casas (segundas, porque muitas vezes, na periferia, as famílias já têm uma)...
Como podem ver, aqui começa a segunda vantagem para o Centro: ao drogar, com os seus capitais, o crescimento dos rendimentos da Periferia, o Centro assegura um mercado para os seus produtos, que os cidadãos da Periferia podem agora comprar, graças aos efeitos directos e indirectos de um acesso ao crédito fácil.
Em suma: é a velha história. O Centro serve a bebida, a Periferia, distraída (ok, nem sempre), bebe, e concede ao Centro os favores extremos... dos seus cidadãos, que compram, compram, compram, absorvendo o excedente do sistema industrial maduro do Centro.
Começa a parte triste da história. A periferia está inchada. Estão enganados: não é uma gravidez, é uma bolha.
Sabem o que é uma gravidez. E uma bolha? Como defini-la? Uma bolha é o desvio do preço de uma actividade financeira do seu valor fundamental. Vou explicar. O valor presente de uma acção, em princípio, depende do valor de dividendos futuros, do rendimento que essa acção irá garantir a longo prazo. Um valor incerto, é claro. A acção, no entanto, também pode ser comprada e vendida livremente. Ora, se alguém espera que os dividendos futuros cresçam, oferecerá mais para comprar uma determinada acção. E se alguém espera que um outro vá oferecer mais, tentará comprá-la antes, para lha vender depois mais cara, elevando assim o preço. Chama-se a isto "expectativa que se auto-realiza" (self-fulfilling expectation). E uma vez que o primeiro que pensou nisto vê os negócios correrem-lhe bem, logo um segundo, um terceiro, e depois um quarto vão seguir-lhe os passos, tentando adquirir aquela acção, cujo preço dispara, empurrado por uma procura que já não tem relação com os rendimentos esperados a longo prazo (dividendos futuros), mas apenas com a expectativa geral de que o preço suba.
A matemática financeira ensina-nos que, com taxas de juros de 5%, faz sentido pagar 20 por um papel que em cada ano rende 1. Mas se todos quiserem aquele pedaço de papel, ponderamos adquiri-lo por 100, e fazemo-lo de bom grado, na perspectiva de o vendermos, no dia seguinte, por 150. Deus! 50% em dois dias, comparados com 5% num ano?!
Mas como podem ser longas 48 horas! Sabe-o bem quem tinha acções no dia 25 de Outubro de 1929, à espera que os mercados reabrissem na segunda-feira seguinte; sim, aquela que entrou para a História como "segunda-feira negra".
E a bolha imobiliária? Simples: recuemos algumas linhas, substituamos a palavra "acção" pela palavra "apartamento", e a palavra "rendimento" pela palavra "renda", e aqui está a bolha imobiliária. Que é, no entanto, ligeiramente diferente, já que os apartamentos são menos "líquidos" do que uma acção: não basta ligar para o nosso promotor financeiro para nos livrarmos deles…
Resumindo, a Periferia, graças ao capital estrangeiro, cresce. O consumo cresce, os investimentos também crescem. Atraídos pelo crescimento, os mercados deslocam cada vez mais capitais para a Periferia, até porque o crescimento, drogado pela dívida privada (capital estrangeiro emprestado a famílias e empresas), melhora as finanças públicas: o rácio dívida pública/PIB estabiliza ou desce. O estúpido (ou inteligente?) que acha que "a única dívida é a pública" fica tranquilo. Bem virtuosa parece a Periferia aos polícias (ingénuos ou coniventes?) do FMI! A Periferia é uma boa rapariga, fez o que nós dissemos: tornou-se "credível" (eufemismo sinistro), tornou-se um pouquinho puta, ou seja, liberalizada, e os resultados são visíveis.
Liberdade (financeira), quantos crimes se cometem em teu nome!
O influxo de capital já não é guiado pelo spread, a diferença entre as taxas de juros da Periferia e do Centro. Pode até acontecer (mas nem sempre) que esta diferença se reduza: a mobilidade de capital, como dizem os livros dos economistas, iguala os retornos de um país para outro (a lei da oferta e da procura). Nem sempre é assim, mas mesmo que fosse, o que agora atrai o capital para a Periferia não é a taxa de juros, o rendimento a longo prazo, mas o ganho de capital, o crescimento convulso do preço das actividades.
Na economia drogada a febre cresce: o acesso ao crédito fácil faz aumentar a inflação, e se no início o mercado exterior era procurado para bens de luxo, com o tempo, os produtos estrangeiros tornam-se competitivos, mesmo nas faixas mais baixas, porque os preços domésticos cresceram; assim se aprofunda o défice comercial, e é preciso novo capital estrangeiro para o financiar. Além disso, como já foi dito antes, um importador de capital também é um importador de produtos.
Isso mesmo: drogada! A Periferia está viciada em capital estrangeiro, e a dose tem de ser sempre maior para fazer efeito. Não há crime contra si própria que a Periferia não cometa para a conseguir. Prostitui-se de todas maneiras, destruindo em poucos anos o estilo de vida e as expectativas razoáveis ​​de rendimento dos seus cidadãos que, de um dia para outro, são privados de direitos adquiridos, como assistência social e reformas; ao desmantelar o sistema industrial, de que já não precisa, porque os fundos chegam, e chegarão sempre, e será sempre possível comprar no exterior, onde produzem muito melhor o que já não é conveniente produzir em casa; ao dar o melhor de si, toda ela, ao Centro.
"Tu amas-me, Centro?" "Claro, Periferia" "E vais amar-me para sempre?" "É claro, tola, que pergunta! Por falar nisso, o que vais fazer com aquela indústria de petróleo, como é que se chama? A CNP, a companhia nacional de petróleo... Vamos lá, dá-me a CNP, dá-me a CNP, que por sua vez terá um influxo de capital que nem vais imaginar!" "Mas tenho que te dar isso também?" "Já me deste tudo, tudo!" "Mas a minha mãe disse-me..." “A tua mãe? Já leste o Sólon e o Licurgo nas colunas do Jornal? Vê lá como é que se pode a vender a CNP." "Mas tenho medo..." "Mas eu amo-te, Periferia. Vamos, diz-me que sim, e vais ver quanta liquidez vou injectar no teu circuito..."
A infeliz acedeu.
Mas o facto é que existe uma lei, não sei se da economia se da própria natureza, que diz "o que é demais, incomoda". Em economia, acho que seja chamada “lei dos rendimentos decrescentes”. Encontrar usos produtivos para quantias de capital enorme e crescente não é fácil, e os influxos de capital (sim, mesmo aqueles de cuja falta os nossos Quisling muito se queixam na Itália) são, para o país que os recebe, dívidas externas, que é preciso reembolsar, mas que, quanto mais crescem, menos produzem os rendimentos necessários para os pagarmos.
Ah, não sabiam? Como é possível? Vocês?! Os arautos do mercado livre e da economia ortodoxa, ignoram essa outra verdade simples: não existem almoços grátis, no free lunch, não podem obter algo por nada. Hum, entendo, entendo... Pois é, parece-me ter lido algo assim nos jornais italianos. Que eu agora só uso o jornal para embrulhar peixe, e assim, entre uma escama de robalo e um esboço de tinta de choco, reparei que de facto na Itália há um bando de idiotas que pensam que o dinheiro vem de graça do estrangeiro, que os investidores estrangeiros compram acções italianas e adquirem o controlo de empresas italianas porque somos agradáveis, criativos, enfim, porque até nos amam. E por isso os fluxos de capitais são bons: nós precisamos deles, eles dão-nos o que precisamos, e a história termina aqui. Pensei que tinha lido mal, sabem, com a pressa, a panela no fogão, os hóspedes no terraço... Mas vocês dizem-me que há realmente gente tão estúpida a ponto de pensar que o estrangeiro oferece capitais como presentes!? E que a venda em saldos de empresas nacionais, públicas e privadas, aos investidores estrangeiros, não só não deve ser impedida, mas até encorajada!? E até deixam escrever isto nos jornais!? A partir de amanhã, com aqueles jornais nem sequer vou embrulhar o peixe! O nobre robalo não merece uma mortalha tão vil...
Deixem-me explicar: quem empresta espera receber o seu dinheiro de volta, com juros; não pensa em oferecê-lo, não é burro! E isso vale para todos os tipos de empréstimos, entendem?
Por exemplo: quem compra uma empresa na Periferia não o faz para fomentar emprego e crescimento na Periferia (na maioria das vezes começa por despedir pessoas, já repararam?). Não: faz isso porque quer ganhar dinheiro e depois levar os lucros para o Centro (e às vezes, para ganhar mais, passa por cima de algumas regras, já repararam?). Pronto, tentem meter bem dentro da cabeça esta simples realidade: o que hoje é um influxo de capital, amanhã torna-se uma saída de rendimentos. A entrada de capital estrangeiro (para comprar um título público, para financiar a compra de uma segunda casa ou do primeiro TV de plasma de um particular, ou para adquirir uma empresa), amanhã torna-se uma saída de rendimentos para o exterior (lucro ou juros). Entenderam? Hoje entra o dinheiro, na forma de crédito (ao Centro), ou seja, dívida (para a Periferia). Amanhã, o dinheiro sai na forma de passivos na balança de pagamentos, passivos que aumentam ainda mais o défice externo da Periferia, que, tal como a usura ensina, é obrigada a pedir mais capital emprestado, não para financiar o investimento produtivo nem os consumos, mas simplesmente... para pagar os juros! Dinheiro que no início a periferia nem sequer queria, lembram-se? Porque no mundo "reprimido" o circuito das poupanças ficava encerrado dentro do país: para a Periferia chegavam as poupanças dos seus cidadãos, que ainda tinham algumas, uma vez que nem tudo tinha sido privatizado e, portanto, os preços dos serviços essenciais não tinham ainda disparado; no fundo não era assim tão mau, e algo se conseguia poupar.
Chegamos ao final triste.
Um belo dia a Periferia acorda com náuseas e vómitos. Uma grande empresa está em crise financeira? Os bancos com problemas de crédito vencido percebem que os devedores não vão conseguir devolver o dinheiro. E o amor acaba, dando lugar a uma certa impaciência. O Centro começa a duvidar da capacidade da Periferia para pagar as suas dívidas. Exige o pagamento de juros sempre mais altos para cobrir o risco; o spread, que era alto, e depois se tornou nulo, dispara novamente. A Periferia entra na espiral da dívida, incha mais e mais, e para saber o resto basta abrir um jornal.

Não é um final feliz.

Antes que seja tarde de mais


“Neste momento a Itália está no pior dos mundos. Não pode exercer uma soberania normal para estabilizar o seu sistema bancário por causa das regras da UE e da sua interferência, mas também não há uma união bancária digna desse nome nem uma garantia de depósitos à escala da UEM para fazer partilhar os prejuízos. “Vamos ter um grande problema se houver outra recessão”, afirmou o Sr. Codogno.

“A forma como a união bancária está a funcionar é representativa da prática da UE. Os países têm de obedecer a uma enorme quantidade de regras e regulamentos mas, quando uma crise bate à porta, não há solidariedade: nenhum dos benefícios está à vista, disse o Sr. Tilford.

No final, o Sr. Renzi pode ter de enfrentar uma péssima escolha. Ou manda as autoridades da UE dar uma volta, ou fica impotente a assistir ao colapso do sistema bancário italiano ao mesmo tempo que o país resvala para a insolvência do Estado.

A Itália não é a Grécia. Não se pode submetê-la pelo esmagamento. Além do mais, os círculos mais influentes da indústria italiana por estes dias já dizem baixinho que, apesar de tudo, uma saída do euro não seria assim tão mau. De facto, essa poderia ser a única forma de evitar uma desindustrialização catastrófica do país antes que seja tarde demais.”

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Uma província periférica

António Costa está sob pressão da Comissão Europeia (ver aqui). 

Dizem-lhe que o crescimento económico será inferior às estimativas do governo. Por isso, o défice público terá de ser revisto e obrigará a novos cortes na despesa ou aumentos em impostos. Isto traduzir-se-á em redução da despesa interna e prejudicará o crescimento económico. E voltaremos a falhar as metas, precisamente por causa da política de austeridade. 

Ou seja, a CE quer voltar à espiral recessiva em Portugal e a razão é simples: é preciso liquidar, de uma vez por todas, qualquer política que não seja ditada por Bruxelas-Berlim-Frankfurt.

É preciso dizer com clareza aos portugueses que, com a entrada no Euro, não partilhámos a Soberania. Tornámo-nos uma província periférica da Europa germanizada.



segunda-feira, 2 de maio de 2016

1º de Maio


Ontem foi o Dia do Trabalhador. 
Celebra-se os Mártires de Chicago na luta pela jornada de 8h de Trabalho.
Passados 130 anos luta-se por ter Trabalho, sendo que milhares dos que o têm trabalham de 50h a 70h por semana, recebendo as 40h "de lei".
Há que travar este retrocesso com vista a uma Sociedade de Bem-Estar e de Justiça Social para todos, em verdadeira Democracia, em vez da "travestida" e ilusória dos nossos dias.
Porque é possível! 


Lídia Simões