segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Bom ano novo





Depois dos cinquenta começo a achar repetitiva a inauguração de um ano que vai dar continuidade a mais do mesmo, se não for pior.
Os mídia já por aí andam com os seus habituais cenários, desenham-nos um 2016 de negros horizontes e ninguém duvida da tendência para o aumento da violência pela falta de escolas, o desemprego galopante, a precariedade da saúde e do trabalho, os impostos martirizantes e tudo isto por causa de políticos corruptos que a coberto de politicas implacáveis nos impõem, incansáveis, uma vida votada ao medo e ao silencio.
Claro que não fico feliz por este tipo de pessimismo, que as minhas palavras não demonstrem o optimismo que a maioria das pessoas usam para brindarem esta época festiva, esquecendo ou fingindo que esquecem de como foram os últimos anos e de como, talvez, sejam os próximos.
Eu mesmo respondo no mesmo sentido, desejando os votos de Boas Festas e Feliz Ano Novo, apenas para não ser desmancha prazeres. Mas no fundo, vejo que há muita coisa que não foi feita e muitas, muitas mesmo, que precisarão de ser feitas, para que o futuro possa ser realmente melhor, e é aqui que reside o meu optimismo, participar activamente num projecto que tem como final a melhoria da nossa sociedade.
Ano Novo? O que muda na vida de uma pessoa do ultimo dia do ano para o primeiro dia do ano seguinte? Na verdade, NADA! O que poderia ter acontecido de tão extraordinário nesse 1º dia que não possa acontecer num outro qualquer? Contudo se pararmos um pouco para reflectirmos o que realmente significa a expressão "Feliz Ano Novo" poderíamos perceber que na verdade ela expressa um mudança, talvez não de factos, mas de atitudes e pensamentos que nunca ocorrerão na passagem de um ano para o outro, mas sucessivamente nos dias que dele virão.
Concluir um ano é concluir uma etapa das nossas vidas, é como subirmos um degrau na nossa escada da vida ou escalarmos mais uma montanha. Quando isso ocorre é necessário parar e olhar para traz uns momentos, a analise aqui é importante, a triagem do bem e do mal, do bom e do mau, de tudo o que foi a nossa vivência deverá de ser filtrada. Claro que essa caminhada teve muitas vezes surpresas, encontraram-se pedras, espinhos, algumas vezes também flores, caminhos pavimentados, mas também esburacados, intransitáveis, alguns intransponíveis. Encontramos amigos e enfrentámos inimigos, suportámos o frio e aquecemo-nos no calor das amizades. Chorámos, sorrimos, algumas vezes rimos, ganhámos e perdemos. Tudo isso faz parte da caminhada natural de uma pessoa, a diferença reside da forma em como concluímos essa caminhada.
Algumas pessoas saem ilesas dessa jornada, outras com marcas, algumas terminam arrastando-se, outras em correria, em alegria, mas há aquelas que terminam em pranto, chorando, mas há um grupo que não termina, desistem a meio ... Não suportaram a dor nem a aflição, as suas perdas sufocaram as suas vidas e ficaram presas no meio dos espinhos ... Eu não consigo deixar de pensar nestas pessoas e de como gostaria de ter feito algo diferente ...
O ano está prestes a terminar e é hora de olharmos para traz, como vai terminar 2015? Concluindo a nossa caminhada, mesmo que com lágrimas ou sorrisos, que possamos, então reflectir sobre a nossa vida. Não importa como terminamos, se chegamos ao fim, somos vencedores, mas se percebermos que no final do ano ficámos pelo caminho ... Que os nossos sonhos se perderam pela estrada da vida, que a nossa esperança se foi com as lutas, que a alegria se sufocou com os espinhos e que as hipóteses de acreditar foram levadas pelos ventos ... ALTO! Ano novo, sim mas uma vida nova também, renovemos as nossa metas, objectivos, lutas, simplesmente ... recomecemos. Sim, façamos um novo recomeçar, Ano Novo Vida Nova, será? A vida é a mesma, intenções sentimentos e razões a serem constantemente colocadas em cheque ... cansativo, que fazer? Tudo, tudo é a resposta. O meu conselho? Faça isso mesmo, TUDO ... Mude o seu olhar para o mundo.
É preciso um olhar novo, um olhar de alteridade, de ver o outro e a nós mesmos como um só. Precisamos de um "parar e colocar em pauta" o que realmente tem importância, deixar a vida seguir o seu ritmo, o nosso ritmo e aprender a balancear os dois.
Eu? Onde estou? O que pretendo, o que quero realmente da vida? Paz, paz e tranquilidade de me saber de me conhecer e de não ter medo das minhas decisões.
Prosperidade de conquistar tudo o que realmente tem importância, amigos, verdades e acima de tudo e a cada dia conquistar-me a mim mesmo, não me deixar seguir por pensamentos orgulhosos, soberba, livrar-me da chatice e da impaciência, da certeza de estar certo, da intransigência e escutar e aprender .... Ahhh aprender, nunca esqueçam de aprender.
Comecemos, então 2016, não planeie muito, não prometa em demasiado, dê o primeiro passo no primeiro dia do ano, um de cada vez, cada dia do ano.
Todos os dias deparamo-nos com infinitas possibilidades de fazer algo diferente, de lutar para mudar o curso da nossa historia e mesmo de mudar o futuro que desenharam para nós ... Esta é a dávida do recomeço.
Quando nos despedirmos de 2015, começaremos um novo, nada de diferente, serão mais 12 meses, mais 365 dias que teremos de enfrentar para provar que estamos aqui porque somos vencedores, para passarmos a nossa mensagem de esperança, de mudança.
Mais do que nunca este é o momento de nos desprendermos do que não deu certo, do que estava errado, parar de coleccionar erros, perdas e fracassos, deitar fora os sonhos frustrados, as magoas que teimamos eternizar. Este é o momento ideal para coleccionar novos sonhos, novas metas, encher o peito de esperança e dizer:
Bem vindo a 2016

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O FIM DO BANIF E O FIM DA UNIÃO EUROPEIA

Alguns observadores andam a elogiar a sinceridade do nosso actual primeiro-ministro pelo facto de ele ter declarado que a resolução do Banif vai pesar fortemente nos bolsos dos contribuintes. Dizem que uma tal honestidade política é refrescante quando comparada com a prática sistemática da mentira em que o governo de Passos Coelho se tinha especializado. Sê-lo-á. Mas eu confesso que me sentiria mais reconhecido, e que agradeceria do fundo do coração a António Costa, se a "solução" encontrada não se traduzisse em mais de 3 mil milhões de euros a serem rapados dos cofres do Estado português. E se isto significar mais austeridade, mais degradação dos serviços públicos, mais adiamentos no descongelamento das carreiras da Função Pública e no restabelecimento dos salários, se isto representar, em suma, menos (muito menos) dinheiro para quem trabalha a favor do grande desígnio nacional que é salvar mais um banco falido por incúria criminosa de quem o geria, então a minha satisfação perante a sinceridade do primeiro-ministro descerá rapidamente para níveis negativos, tão negativos como a temperatura das carreiras e dos salários congelados.
Ouvi hoje, na Antena 1, um comentador de assuntos económicos afirmar que a "solução" agora encontrada para o Banif é, de todas as que poderiam ter sido escolhidas, justamente a que vai custar mais ao erário público. E depois acrescentou: havia outra, que passava por absorver o Banif na Caixa Geral de Depósitos, sem que tal implicasse mais injecções maciças de dinheiros do Estado. Mas esta saída alternativa foi chumbada por... Adivinharam: pelos burocratas de Bruxelas. Com o espantoso argumento de que tal iria interferir na sacrossanta liberdade de concorrência. Iria distorcer, imagine-se, o mercado! Claro está que os zelotas da Comissão Europeia não consideram distorção do mercado o facto de o Estado português se dispor a garantir ao Santander toda a protecção - com o dinheiro dos contribuintes - no caso de alguns dos activos agora adquiridos se revelarem menos sólidos do que parecia.
Não vale a pena insistirmos no que este tesourinho deprimente revela, uma vez mais, sobre a mecânica obscena de utilização do Estado para cobrir os desmandos da banca privada. Um dia, daqui a vários séculos, os historiadores dedicados a analisar as práticas absurdas de certas sociedades primitivas encarregar-se-ão de explicar, no meio de muita perplexidade, como foi possível os cidadãos europeus destas primeiras décadas do milénio consentirem, com o seu voto e o seu conformismo, na persistência de semelhante aberração. Parece-me, entretanto, mais interessante determo-nos na forma como este episódio põe a nu as consequências de termos alienado a nossa soberania a uma instituição internacional, a União Europeia, que foi tomada de assalto por uma clique apostada em impor todo um programa ideológico altamente lesivo dos direitos dos trabalhadores e da sanidade, económica e social, das nações. Havia outras soluções para o Banif, mas os zelotas da União Europeia impuseram a que mais fere o interesse nacional do Estado português.
É por estas e por outras que deveríamos estar hoje a ponderar, nesta periferia do continente europeu, já não apenas o abandono do euro, mas a ruptura com a própria União Europeia. Um assunto-tabu, claro está. Enquanto o euro e a dita União mantiverem, aos olhos da esquerda e de outras formas de vida inteligente, o estatuto de vacas sagradas.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Quando tudo tem um preço


Na associação Democracia Solidária vemos os mercados como uma forma, entre outras, de organizar a economia pondo-a ao serviço da sociedade, ao serviço do Bem-Comum.
Por isso, rejeitamos o pensamento neoliberal que tende a estender as regras e os valores dos mercados a todos os domínios da sociedade. Não queremos uma "sociedade de mercado".
Isto é muito importante para a saúde da nossa democracia. Quando o dinheiro compra tudo, os que têm mais dinheiro passam a viver à parte, já não se cruzam nem interagem com os pobres nos bairros onde habitam, nas escolas, hospitais, lojas, restaurantes, comércio, locais de férias, etc.

Para perceber melhor como a democracia se torna uma farsa quando a desigualdade é grande e o dinheiro governa a sociedade, veja este vídeo do filósofo norte-americano Michael Sandel:  https://www.youtube.com/watch?v=3nsoN-LS8RQ.

Se concorda com isto, leia o Manifesto por uma Democracia Solidária. Junte-se a nós fazendo-se sócio da associação política Democracia Solidária.
Jorge Bateira

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Sim senhor Presidente

de Vítor Santos´



Não resisto a publicar, aqui, este excelente artigo de Ferreira Fernandes.
“Gostaria de conviver (três minutos, não mais) com Aníbal Cavaco Silva, vocês sabem, esse. Eu só queria saber o que se passa quando ele pede um café. Suspeito que o pedido cause grande rebuliço no Palácio de Belém. O empregado da copa começa por não entender o que foi pedido. O chefe da Casa Civil, Nunes Liberato, aconselha calma, e pondera que talvez o Presidente nem tenha pedido nada. A assessora das Relações Internacionais divaga, não se querendo comprometer, “talvez seja qualquer coisa relacionada com Timor, talvez com a Colômbia”. Nuno Sampaio, dos Assuntos Políticos, considera que o momento não é para estimulantes, mais valia camomila.
O consultor Fernando Lima faz um sorriso de quem entendeu tudo mas não diz nada, próprio de quem já não é ouvido, e pensa: “No meu tempo, eu não teria dúvidas de que ele pediu um café, mas também sei que se a coisa desse para o torto ele negava.” O consultor para a Inovação, Jorge Portugal, hesita, mas acaba por ousar: “Eu por mim, trazia-lhe um negroni, o cocktail da moda.” José Carlos Vieira, da assessoria para a Comunicação Social, de memória toma nota de todas as interpretações, sendo certo que fará um comunicado assaz vago. E a assessora do Gabinete do Cônjuge, Margarida Mealha, depois de um telefonema, sussurra para o empregado: “Um café, mas não traga açúcar”…
Como não tenho o número do telemóvel da doutora Maria Cavaco Silva não sei bem o que dizer da comunicação do PR sobre a situação política, proferida na quinta-feira. Mas, como todos, tenho a minha interpretação e, essa, entendi bem. Desde logo, notou-se no discurso o dedo da cônjuge: amargo, não trazia açúcar nem adoçante. Depois, confirmou-se que Cavaco Silva, homem que lida mal com as palavras, deve ser ouvido mais pela sua linguagem gestual. Assim, quando apontou, esticou o dedo, enfim, indigitou Passos Coelho, todos entendemos que o líder do PSD foi mandado fazer governo. A seguir, foi a fúria de palavras, não como se tivesse engolido uma fatia de bolo-rei mas, desta vez, uma broa de Avintes. E inteira.
Em palavras, Cavaco Silva começou por prestar homenagem à Constituição e respeito sem condições pela Assembleia da República: entregou a decisão aos digníssimos 230 deputados. Essas pedras basilares da vontade do povo português, disse, podem – e saberão certamente fazê-lo – consubstanciar o desiderato da Nação e aprovar o governo de Passos Coelho. Cavaco fez uma pausa e prosseguiu: “Agora, meus meninos [e, aí, pôs o tal dedo em riste com que fala melhor e ficou todo afogueado], se alguém tiver a lata de boicotar isto, atiro-lhe com uma gorpelha de figos à cabeça!”, disse Sua Excelência o Presidente da República. Já as câmaras se apagavam e ouviu-se gritar: “Andem cá! Ninguém disse que já acabei…” e viu-se o PR a espernear e a ser levado por Nunes Liberato, que se voltou para os telespectadores, encolhendo os ombros e fisgando um sorriso tímido que pretendia tranquilizar-nos.
Resumindo, voltando aos gestos, porque é assim que se entende melhor Cavaco Silva, na quinta-feira foi–nos mostrado o boletim do dia 4, sobre o qual pusemos uma cruzinha, dobrámos e metemos na urna. Mostrado o voto, apareceu um indicador a fazer de limpa-vidros, da esquerda para direita. A imagem voltou outra vez ao voto – continuo a contar-vos o resumo da comunicação de quinta, à hora dos telejornais – e apareceu o PR, mestre–escola zangado, a dar-nos uma lição. Com uma esferográfica no punho, o PR riscou a linha dizendo “CDU” e as imagens da foice e do martelo e do girassol. Depois, o PR riscou a linha dizendo “Bloco de Esquerda” e a imagem da estrelinha de quatro pontas e uma cabeça. A câmara mostrou Cavaco, olhos furibundos: “Perceberam?!”
Dando-se conta de que talvez não, Cavaco voltou ao boletim. Desta vez, com a parte azul, a mais abrasiva, duma borracha, Cavaco continuou a sua sanha contra aquelas duas linhas malditas. Olhou-nos, outra vez: “E, agora, já perceberam?!” Achando-nos estúpidos, ele insistiu na explicação: com um X-ato, cortou as duas linhas. E com a convicção de que uma imagem vale mais do que cinco pareceres de constitucionalistas mostrou-nos os dois finos buracos em retângulo: os comunistas e os bloquistas tinham sido abolidos da democracia portuguesa. Eu estava num café quando ouvi o senhor Presidente da República. Olhei à volta e foi terrível. Percebi que as pessoas agora nem por gestos entendiam Aníbal Cavaco Silva. Aquilo era um olhar alucinado e poucos viram isso.
Saí do café a matutar na velha e desiludida ideia de que as pessoas só entendem quando lhes batem à própria porta. O abuso cometido, por enquanto, é só um problema “deles”, os do PCP e do BE, só 996 872 portugueses, só 18,44% dos votantes, a quem acenaram com um direito que depois rasuraram, mas só a eles. Ninguém, para lá dos comunistas e dos bloquistas, pensou: e se amanhã outro alucinado também me quiser apagar?”
FERREIRA FERNANDES – CRÓNICA PUBLICADA NO DIÁRIO DE NOTICIAS

O primeiro dia de uma viragem

de Mário Machaqueiro
António Costa surpreendeu-me. Palpita-me que, à esquerda, não devo ser o único. A 6 de Outubro, o meu cepticismo em relação à liderança do PS levou-me a escrever aqui as seguintes considerações: «Acossada por um péssimo desempenho eleitoral que minou a sua legitimidade política, a liderança do PS não se sente com autoridade para inviabilizar um governo do PSD/CDS. Por outro lado, o centrismo e o direitismo que dominam o aparelho do partido não são de molde a que o PS projecte, para a opinião pública, um discurso de ruptura com o “consenso” de Bruxelas que representasse claramente uma alternativa em que o BE e o PCP se pudessem reconhecer e, sobretudo, que galvanizasse os tais desiludidos que não votam. Tudo isto torna o PS a grande força de bloqueio para um projecto de esquerda que se queira consubstanciar em governo.» Enganei-me, e tenho agora de presumir que, muito provavelmente, Costa já vinha encetando com os partidos à sua esquerda, durante a campanha eleitoral, um diálogo de bastidores que desembocou no cenário político actual, já que me parece pouco crível que uma jogada tão ousada possa ter sido gizada apenas depois de conhecidos os resultados eleitorais. Isso, contudo, não é o importante. Se temos razões para não embarcar em euforias fáceis e precipitadas perante o que está a acontecer, também não devemos, creio eu, minorar ou menosprezar a dimensão política deste acordo de governação entre o PS, o BE e o PCP. Antes de mais, por aquilo que a direita mais demoniza neste momento: o facto de, em 40 anos de democracia, se ter quebrado uma “tradição” arbitrária e espúria pela qual o partido mais votado podia sempre formar governo, mesmo sem ter assegurada a maioria parlamentar. A manutenção dessa “tradição”, que na verdade desvirtuava o alcance de um regime democrático que tem o seu centro na Assembleia da República, muito contribuiu para generalizar na cabeça das pessoas uma série de chavões que foram pervertendo, ao longo dos anos, a compreensão das regras de funcionamento desse regime: chavões como o “arco da governação” ou a noção distorcida de que existem “candidatos a primeiro-ministro”. O gesto de Costa e das actuais lideranças do BE e do PCP veio repor a verdade processual da nossa democracia: o fulcro da decisão política reside na representação parlamentar. É no parlamento que se formam as maiorias e é, portanto, dele e só dele que emana a legitimidade para a constituição de um órgão executivo. E nenhuma “tradição” se pode sobrepor a esta evidência. O segundo resultado da iniciativa de António Costa no sentido de uma aproximação aos outros partidos de esquerda constitui aquilo que só pode ser designado como uma profunda reviravolta em todo o período conhecido da nossa democracia, uma ruptura que seria igualmente insensato desvalorizar: pela primeira vez, o PS abre-se aos partidos à sua esquerda para viabilizar uma solução governativa, rompendo de vez com a ideia perniciosa e antidemocrática de que existem partidos ou forças políticas “naturalmente” destinados à governação e outros que, embora integrados no regime, devem ser “naturalmente” excluídos das funções governativas. E, neste ponto, há que fazer justiça a Costa, pois há muito tempo que ele vinha criticando, nomeadamente no programa «Quadratura do Círculo», esse tipo de exclusão do PCP e do BE, considerando-a uma disfunção do nosso sistema político. Constatamos agora, com regozijo, que essas declarações não foram apenas retórica para encher os ouvidos. Estes dois resultados, há que sublinhá-lo, vão produzir efeitos muito para lá da conjuntura actual. No plano estritamente político, podemos afirmar com alguma segurança que a partir de hoje nada, de facto, será como antes. Porém, se estas mudanças são um dado adquirido, os trabalhos de Hércules de António Costa só agora vão começar. Antes de nos determos nos altos riscos que pesam sobre o acordo entre o PS, o BE e o PCP, convém, contudo, percebermos bem o fundo estratégico de onde esse acordo nasce. Pacheco Pereira tem razão quando diz que, em boa verdade, não sobrava muito espaço a esses partidos, e em especial ao PS, para actuarem de forma diferente. Se o PS tivesse viabilizado um governo do PSD/CDS, ficaria inevitavelmente refém do mesmo e submetido à chantagem da dupla Coelho/Portas, a qual não hesitaria em se auto-vitimizar e em abrir uma crise política à primeira divergência do PS, de modo a suscitar eleições antecipadas e aproveitar o clima criado para tentar o regresso a uma maioria absoluta. Num tal cenário, o PS ficaria afastado do poder por muitos e longos anos, e o mesmo sucederia, naturalmente, ao BE e ao PCP, cujo futuro previsível seria o acantonamento numa oposição inócua e desgastante. Portanto, para todos estes partidos a construção do presente acordo faz todo o sentido no plano estratégico – e até dentro de uma estratégia de longo prazo. Acontece, no entanto, que os riscos de aceder à governação no quadro actual são imensos. Antes de mais, devido à contradição estrutural entre uma política que se reclama do anti-austeritarismo mas que aceita, na prática (e, no caso do PS, também na teoria ), o essencial dos mecanismos europeus que hoje limitam drasticamente ou impedem a adopção efectiva de medidas económicas e financeiras susceptíveis de relançar o emprego, de fazer crescer a economia, de sustentar o Estado-Providência, de defender os direitos sociais e laborais contra o capital predatório, etc., etc. Esta contradição está no cerne do acordo que foi hoje assinado entre o PS, o BE e o PCP, e ela vai fazer-se sentir fortemente nos tempos que aí vêm, condicionando boa parte dos ensaios de ruptura com o passado recente que o próximo governo venha a procurar. Se a isto somarmos todos os obstáculos que os principais potentados económicos do país não deixarão de colocar ao governo do PS, em conjunção com a permanente campanha de intoxicação da opinião pública que a direita irá exercer através de uma comunicação social inteiramente dominada por ela, percebemos bem os inúmeros perigos e alçapões com que esse governo se vai defrontar. Há, todavia, outros factores que poderão contribuir para que esta aposta não esteja necessariamente condenada ao desastre. Na sua inserção internacional, o PS não é o Syriza. Pertence a uma família política que, na Europa de hoje, está, porventura, em vias de sofrer um processo de transformação cujos primeiros sinais se começam a fazer sentir – uma família política cujo apoio, de resto, António Costa sondou antes de encetar o processo que agora protagonizou. É provável que a social-democracia europeia esteja em vésperas de ensaiar um regresso, ainda que muito tímido, a algumas das suas raízes, sob pena de soçobrar por completo e de ser ultrapassada, à esquerda e à direita, por franjas muito mais radicais. Talvez estejamos a assistir aos primeiros passos para uma mudança no centro político da Europa que comece a retirar hegemonia ao Partido Popular Europeu, e, se esta previsão não for propriamente delirante, o que daí resultar terá consequências benéficas para a sobrevivência do projecto subjacente ao acordo que PS, BE e PCP assinaram. Uma coisa é, pelo menos certa: as placas tectónicas da política voltaram a mexer-se, com efeitos que ninguém soube prever, e a palavra esperança volta a fazer sentido.

domingo, 13 de dezembro de 2015

TTIP: as grandes empresas preparam-se para blindar o seu poder. Se deixarmos.

de Jorge Bateira


https://youtu.be/5fNo82NC2Cw


Problemas no paraíso

de João Gomes Martins
Este breve comentário é-me sugerido pela publicação do último livro de Frédéric LORDON “On achève bien les grecs : Chroniques de l’euro 2015”, 25 Novembre 2015 e pela tomada de posse do novo governo português. Muita gente, entre a qual eu me incluo, congratula-se com o afastamento do anterior governo da direita, que foi certamente um dos mais conservadores da recente história política de Portugal. Até aqui tudo bem. E a seguir? Talvez devamos começar pelo título de um dos últimos livros de Slovoj ZIZEK “Problemas no paraíso” (traduzido pela Bertrand Editora, 2015). Será que já esquecemos o que aconteceu ao governo grego do partido Syriza? Não revelou o caso grego que a União europeia não só despreza a vontade democrática e soberana dos povos como é capaz de castigar severamente quem se lhe oponha? Quem ainda não percebeu que o código de compatibilidade com as actuais instituições europeias se resume à estrita aceitação das chamadas políticas de austeridade neoliberais, à sujeição absoluta aos actuais tratados e à vassalagem inquestionável ao instrumento militar dos EUA no mundo, a Nato? Derrotar a direita portuguesa e o seu indefectível apoio, o actual Presidente da República, não passou de uma gentil escaramuça comparado com o embate que se adivinha com a União Europeia. E aqui as possíveis estratégias não são numerosas. Ou se aceita defrontar abertamente as autoridades europeias ou então deve-se assumir uma nova capitulação em toda a linha como aconteceu na Grécia. Esta situação não admite esquivas retóricas nem tergiversações quanto ao posicionamento político. A ambiguidade que uma grande parte da esquerda manteve durante muito tempo quanto a essa questão é na situação actual a sua principal debilidade. Não se enfrenta um adversário começando por declarar-lhe que o amamos e o odiamos ao mesmo tempo. O actual governo apresenta-se como o soldado que em pleno combate avança com uma bandeira branca, esperando que o adversário fará uma pausa para conversar com ele e que está disposto a ouvir as suas queixas e argumentos. Do outro lado o objectivo é claro e definitivo. Qualquer oponente deverá render-se incondicionalmente à totalidade das suas exigências. A retórica, a ambiguidade, o evitar do confronto são absolutamente fatais numa situação como esta. O que esperar da situação? Penso que o mais provável será uma humilhação que ainda fragilizará mais a posição dos partidos que agora apoiam o novo governo. Este combate é composto por dois rounds. O primeiro foi ganho porque se lutou com um amador, no fundo bem pouco armado e no âmbito nacional aonde apesar de tudo a voz do povo ainda se consegue ouvir. O segundo round é contra o verdadeiro adversário, pois a direita portuguesa não passa de uma sua pequena delegação local num pequeno país situado num canto da península ibérica. Quanto ao segundo adversário não só dispõe de todo o armamento como é absolutamente imune a toda a interferência democrática. Na Grécia assistiu-se a um massacre. Portanto o que esperar? Só vislumbro dois desfechos possíveis. Uma humilhação em toda a linha, uma espécie de governo colaboracionista ou uma cisão desse governo, um pouco como aconteceu igualmente na Grécia, com uma fação a render-se, recordando o governo do marechal francês Pétain e do governo de Vichy, e a outra fação a assumir o combate no Maquis. A guerra começa a perder-se, antes mesmo de se iniciarem as hostilidades, por uma falta de identificação do adversário (um pouco como Carl Schmitt definia a política como a relação amigo/inimigo). A presente situação política penso que se singulariza, se comparada com o período precedente entre o fim da segunda Grande Guerra e os fins dos anos setenta e princípios dos anos oitenta do século passado, por uma necessidade imperiosa de identificar claramente o adversário político e em consequência assumir a disposição de o defrontar expressa e convictamente. A situação actual, no contexto da União europeia, não fornece margem para compromissos mais ou menos fáceis e argumentados ou racionais. Enfrentar a União Europeia é uma tarefa séria e não isenta de vários dissabores pelo menos no curto prazo. Pessoalmente assumo a necessidade desse enfrentamento sem desconhecer os riscos e as perturbações implicados por tal gesto. Mas a política verdadeira, rara e sequencial, nunca foi uma reunião para se tomar amigavelmente um chã acompanhado de uns biscoitos. A política verdadeira é e sempre foi um combate, o que não quer dizer necessariamente um enfrentamento armado, que implica convicção, determinação e a disponibilidade para correr certos riscos. Quem não está disposto a fazê-lo é preferível que se resigne, ainda que recorra ao Ersatz, sempre benéfico para a alma, de uma retórica inflamada e discursos ambíguos que só enganam quem os profere.